quinta-feira, março 18, 2010

A Poção Mágica

Corria o ano da graça de 2010.
Os últimos anos tinham sido pródigos em bruxaria.
Vodu, mães de santo, galinhas pretas, orixás, tudo valia.
A vida na CACA-OI andava diferente.
Gente sem suspeita, outrora grandes defensores dos condutores, tinha aos poucos sucumbido às artes do oculto.
Sentia-se no ar aquele cheiro a enxofre tão característico dos espíritos possuídos.
A culpada era a Poção, a maldita Poção.
Na noite sombria, a coberto das palmadinhas nas costas, os Druidas iam engrossando as suas fileiras.
Qual filme de ficção de terceira categoria, os humanos sucumbiam aos poucos, perdendo o brilho nos olhos, passando a ostentar aquele olhar maquiavélico que só uma banda sonora manhosa consegue potenciar.
Querem 3 casos?
Eu sabia.
O primeiro, dá conta de um rapaz de reconhecidas capacidades como orador.
Tinha sido num passado recente, dirigente-mor da UPA.
Tinha-se iniciado como dirigente raivosinho e danado por uma boa refrega.
Foi perdendo vapor à medida que o tempo foi passando.
A idade não perdoa.
Passaram-se 2 anos, o dever para com os camionistas estava cumprido, mal ou bem, quem viesse atrás que tentasse melhor.
Não está mal não senhor.
Como todos os que tentaram a revolução e falharam, viu-se numa encruzilhada difícil.
Pela esquerda, voltaria à vida normal, camionete de 18 rodados, muito sol, tempo livre, enfim uma vida santa, regada a caipirinha e picanha farta.
Não tinha logrado nada de positivo para a rapaziada, mas tinha entretido os indígenas e ninguém o levaria a mal, por agora usar o tempo em seu beneficio.
Pela direita, o outro caminho, o caminho da conversão à causa da CACA.
Dúvidas, dúvidas, tantas dúvidas.
E a Luz mesmo ali.
Ainda por cima, com o tempo livre em mãos tinha conseguido terminar a formação académica nas artes da rapinagem legalizada, que isto de um canudo, num país de engenheiros ao domingo e arquitectos sodomitas, dá sempre jeito ó xôtor.
A pressão da escolha era muita e havia que seguir o melhor trilho, vai daí, num passe de mágica temos formador certificado na estrutura da CACA, assim mesmo, sem tirar nem pôr.
Formador por agora...
Poderia alguém no seu juízo perfeito encontrar alguma ligação entre o fracasso desses dois anos de dirigismo, com a passagem para a estrutura da CACA, um luxo só acessível aos iluminados da nova ordem.
Não, não havia relação.
Esses dois anos tinham sido iguais aos outros, mais do mesmo, de modo que não poderia haver relação e quem dissesse o contrário tinha mau coração.
Ou ainda não bebeu da poção.
Quem parecia andar a beber litradas de poção era outro camionista famoso.
Rapaz conhecido entre os condutores e amado pelo pessoal da CABO.
Conta-se que era de uma finesse a toda a prova.
Reservado, grande pensador, sofria um pouco com aqueles tiques nervosos que atormentam as grandes almas devido ao inconformismo com o mundo injusto que lhes é apresentado.
Era assim, um incompreendido, desde os tempos de dedicação à pátria Lusa.
Em tempos, enveredara pela prática da politica regional, tendo a sua beleza sido espalhada aos 4 cantos da terra.
Ele era postais, calendários e acessórios mil, distribuídos pela populaça como se de pãezinhos quentes se tratasse.
A populaça alinhava que isto de borlas é de aproveitar.
Um dia um periódico de grande tiragem, vendo o potencial de venda deste nosso amigo, fez-lhe a proposta irrecusável
Uma entrevista profunda em que tudo, ou quase tudo para nosso bem, foi posto a nu.
Desde os fusos horários da camionagem ligeira, sim aqueles fusos de 1 hora que rebentam com os condutores, até aos parcos salários auferidos pela classe.
Tudo no papel como se quer.
A vida de 600 exposta na tribuna.
Não consta que tenha vindo daí sanção a aplicar. Outros tempos.
A politica não teve o sucesso merecido mas outras batalhas viriam.
E vieram.
Na CACA todos o respeitavam.
Carinhosamente, era comparado com aquele personagem muito conhecido dos livros juvenis.
Sim esse.
E querendo mostrar que também ele possuía poderes ocultos, eis que inicia a sua colagem à CACA.
Devagar, devagarinho pra não espantar ninguém.
Inicialmente faz o teste com o Capataz da camionagem ligeira.
Testou e com aquele jeito de quem não quer nada, bateu.
A resposta não tardou e o Capataz abriu a porta.
Então o amigo ao que vem.
Ah e tal, quero dar o corpo pela pátria.
Vi a luz e se me deixarem entrar sou menino pra contar umas coisas que sei.
Os Druidas, que não são de espantar ninguém e aproveitam sempre estas dádivas, abriram o seu coração para ele.
Ali encontraria o amor que procurava.
Já com a posição consolidada e não tendo a visão de alcançar que mais não passava de um peão, eis que resolve passar à próxima fase.
Tenho de mostrar ao chefinho aquilo que valho, o quanto estou grato.
Hei-de fazer-me homem aqui dentro.
Já sei, vou abandonar a UPA a ver se melhoro a fotografia.
Assim o pensou, melhor o fez.
Bateu com a porta e cavalgou pela luz adentro.
Na UPA o sol não deixou de brilhar com essa perda e a CACA mostrou que tem coração de Mãe, cabe sempre mais um.
A poção em demasia não trará consequências para o nosso amigo?
Talvez sim, talvez não.
O tempo o dirá, mas fica a questão.
Alguém acredita em almoços grátis?
O terceiro caso é muito estranho.
Mais um Condutor, em tempos dirigente da UPA.
Homem de valor, expedicionário convicto, tinha sido um guerreiro dos mais bravos.
Em tempos quem furasse com a UPA estava condenado a uma vida de amargura.
Ficava logo com o pelouro das rodas, furos, câmaras de ar e não tocava em mais nada da Camionete.
E nunca se viu arredado das suas funções de Condutor por causa disso, mas os tempos mudam e já ninguém se lembra.
A poção além de mágica, tem poderes sombrios e amnésicos.
Para lá do entendimento dos simples mortais.
Agora andava raivoso pois os da UPA já não se submetiam aos seus caprichos.
Ai que me tiraram o brinquedo.
Qual de nós na sua meninice gostava quando nos tiravam aquele carrinho, aquele boneco ou mais tarde, aquela namorada.
Ninguém e o nosso amigo não era excepção.
Sem saber o que fazer e perdendo todo e qualquer pudor, apostava num ataque...diferente.
Munido dos acessórios tecnológicos de ultima geração, dava ao dedo insultando o bom nome de um Condutor com queda para a matemática.
Chamavam-lhe o Continhas e vos garanto que voltaremos ao tema no futuro.
O Continhas, com a sua habilidade inata para os números tinha trazido mais avanços para os Camionistas em dois anos que os outros rapazes bem intencionados em dez.
Aqueles dez de conversinha mole...
Mesmo assim, o nosso amigo entretinha-se a minar e a enxovalhar a inteligência alheia, fazendo orelhas moucas da democracia, e da escolha livre dos seus pares.
Está provado que a democracia só é boa quando corre a nosso favor.
Quando corre contra torna-se a ditadura da maioria.
Maneiras de ver.
O problema era sempre o mesmo, esse malandro, que deveria fazer tudo por nós, pelo amor à camisola, andava a encher os bolsos.
Mas não, o problema não era esse, era outro.
Um muito mais antigo.
Já terminava assim o nosso maior poeta na sua evocação da lusitanidade
“De sorte que Alexandro em vós se veja,”
“Sem à dita de Aquiles ter enveja.”
Não, não é erro, era assim mesmo que se escrevia nesse tempo.
Está nessa última palavra, aquela que fecha a nossa maior odisseia, a essência de muitos dos nossos males.
Qual poção qual quê...

2 comentários:

  1. Oh Rato tens toda a razão, quem os viu e quem os vê agora. Uns vira-casacas da pior espécie...
    Uma desilusão completa. Em tempos idos (não muito longe) até pareciam gente séria, leal, convicta, com princípios...

    Realmente a democracia só é boa quando corre a nosso favor (neste caso a favor deles), e como a coisa se inverteu há que lutar contra "ditadura".

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  2. Prezado Rato como eu te compreendo.

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